O PRESBITERATO: UM PANORAMA BÍBLICO E HISTÓRICO
INTRODUÇÃO
Uma rápida leitura do Novo Testamento deixa claro o quanto os
presbíteros eram importantes na igreja primitiva. O livro
de Atos dos Apóstolos, as Epístolas Pastorais e as Epístolas Gerais fazem
muitas referências a eles como os líderes das primeiras igrejas cristãs. As
informações disponíveis deixam claro que cada comunidade era governada por um
grupo ou concílio de presbíteros, que exerciam atividades de administração,
supervisão, orientação, disciplina e pastoreio das igrejas.
Todavia, não encontramos em nenhum lugar a instituição desse ofício, a
maneira como surgiu nas igrejas. Ele simplesmente aparece repentinamente nas
páginas do Novo Testamento. De onde teria vindo a inspiração para essa prática?
Qual a origem do presbiterato cristão? A resposta a essas perguntas
está no Antigo Testamento. O objetivo deste estudo é mostrar a
evolução do presbiterato ao longo do tempo, começando com o judaísmo,
passando pelo cristianismo primitivo e prosseguindo ao longo da história da igreja.
1. PRECURSORES
1.1 Os anciãos no Antigo Testamento
A liderança através de um concílio de homens chamados “presbíteros” ou
“anciãos” era muito familiar aos judeus e a todos os leitores do Antigo
Testamento. O concílio de anciãos era uma das instituições mais
antigas e fundamentais de Israel, desde a época do cativeiro egípcio. Eles eram
os representantes oficiais do povo, daí serem denominados “anciãos de Israel”
ou “anciãos dos filhos de Israel”, como vemos em Êxodo 3.16,18; 4.29 e 12.21,
que são as primeiras referências a eles na Bíblia. Também eram
chamados “anciãos do povo” (Êx 19.7) e “anciãos da congregação”, ou
seja, a congregação de Israel (ver Lv 4.15).
Uma passagem especialmente significativa é Números 11.16-17, 24-25, que
narra como Deus designou 70 anciãos para serem auxiliares diretos de Moisés na tarefa
de “levar a carga do povo”. Estavam associadas aos anciãos as ideias de
sabedoria, maturidade e discernimento (1Rs 12.6-13).
Embora não haja uma explicação da sua origem, nomeação ou
qualificações, esses anciãos são mencionados cerca de 100 vezes no Antigo
Testamento. Seu papel fundamental de liderança fica evidente em sua
participação ativa de cada evento decisivo da história de
Israel. Desde antes do Êxodo os anciãos exerceram liderança e autoridade entre o povo.
Deus reconheceu o seu papel de liderança enviando Moisés primeiramente a
eles para anunciar a libertação do cativeiro (Êx 3.16). O governo
através de anciãos era particularmente apropriado para uma sociedade
patriarcal, orientada para a família, como era o caso de Israel, e
continuou a existir depois que Moisés e Josué concluíram a tarefa de introduzir o povo na Terra
Prometida.
Quando Israel se fixou em Canaã, cada cidade, cada tribo e a nação como
um todo tinha um conselho de anciãos (ver Dt 19.12; 21.3,6,19; Sl 107.32; Ez
8.1). Como líderes da comunidade, eles deviam proteger o povo,
exercer disciplina, fazer cumprir a lei de Deus e administrar a justiça. Segundo
a lei mosaica e a prática tradicional, os anciãos exerciam ampla autoridade em
questões civis, domésticas e religiosas. A função dos anciãos como um corpo
judicial é descrita nas seções legislativas do Antigo Testamento. De modo
especial, o livro de Deuteronômio apresenta muitas situações
específicas que exigiam o julgamento e a orientação dos anciãos (Dt
21.19; 22.15-18). Os anciãos deviam conhecer a lei, responsabilizar-se (com os
sacerdotes) por comunicá-la ao povo e assegurar que ela fosse obedecida (Dt
27.1-8; 29.10; 31.9-11). Entre outras funções, eles serviam como testemunhas
(Rt 4.2,9,11).
Os anciãos participaram de alguns dos acontecimentos mais marcantes da história de
Israel, como a conquista de Canaã (Js 7.6; 8.10,33), a unção de Davi como rei
de Israel (2 Sm 5.3), a reforma de Josias (2 Rs 23.1) e a reconstrução dos
muros e do templo de Jerusalém (Ed 5.5,9; 6.7s,14). Eles estavam entre várias
categorias de líderes, como os chefes, juízes e oficiais (Js 23.2; 24.1). Por
suas ligações com os sacerdotes, também eram denominados “anciãos dos
sacerdotes” (2 Rs 19.2; Is 37.2; Jr 19.1).
1.2 Os anciãos na época de Jesus
Na época de Jesus, os anciãos continuavam tomando parte destacada na vida
de Israel, tanto no âmbito local quanto nacional. Eles ainda conservavam o antigo
título de “anciãos do povo” (Mt 21.23). Os anciãos locais são mencionados
apenas uma vez nos evangelhos (ver Lc 7.3). Todas as outras referências a
anciãos judeus nos evangelhos e em Atos estão associadas ao Sinédrio de
Jerusalém. O Sinédrio era o supremo tribunal do povo judeu
e estava dividido em três grupos: sumos sacerdotes, escribas e anciãos (Mc
11.27; 15.1). José de Arimatéia provavelmente era um desses anciãos (ver Mc
15.43). O Sinédrio também é descrito no Novo Testamento como a
“assembleia dos anciãos do povo” (Lc 22.66) e o “senado dos filhos de
Israel” (At 5.21), uma tradução da palavra grega presbyterion.
A imagem dos anciãos nos evangelhos sinóticos é bastante negativa pelo
fato de terem ocupado um papel de destaque na rejeição e morte de
Jesus (ver Mt 16.21; 26.3,47,57; 27.1,3,12,20,41; etc.). Em Atos, os apóstolos
são levados várias vezes diante dos anciãos do Sinédrio, que os questionam
sobre a sua mensagem e atividades (At 4.5,8,23; 6.12; 25.15). De qualquer
maneira, percebe-se que a estrutura de governo por meio dos anciãos era muito
familiar aos cristãos judeus.
2. O PRESBITERATO NO NOVO TESTAMENTO
2.1 Os presbíteros cristãos judeus em Atos dos Apóstolos
Ao adotarem essa forma de governo bem conhecida, os apóstolos certamente
não agiram de modo arbitrário. A oração e a direção do Espírito Santo levaram
os Doze e a igreja de Jerusalém a estabelecerem a liderança por meio
de um conselho de anciãos. Esses anciãos cristãos também ficaram conhecidos
como “presbíteros”. No livro de Atos, vemos os presbíteros de Jerusalém no
exercício de algumas importantes atribuições:
2.1.1 Recebem e administram recursos materiais (At
11.29-30). Essa é a primeira referência aos presbíteros cristãos no Novo
Testamento. O texto informa que nos dias do imperador Cláudio (ano
47) houve uma grande fome em todo o mundo, que deixou muitos crentes da Judéia
em situação de penúria. Os cristãos de Antioquia resolveram socorrer esses
irmãos carentes, enviando uma oferta aos presbíteros de Jerusalém por meio de
Saulo e Barnabé. Isso mostra que esses presbíteros eram os representantes
oficiais da igreja.
2.1.2 Julgam questões doutrinárias (At 15.1-29). Nessa
famosa passagem, os presbíteros ocupam uma posição muito mais destacada. Uma
nova e próspera igreja havia surgido em Antioquia daSíria,
composta de judeus e gentios. Alguns judaizantes desceram da Judéia
para Antioquia e disseram aos crentes gentios que eles só poderiam ser salvos
se recebessem a circuncisão. Depois que Paulo e Barnabé tiveram uma grande
discussão com eles, resolveu-se levar oassunto aos “apóstolos e
presbíteros”, em Jerusalém. Estes se reuniram e debateram longamente a questão
(o “Concílio de Jerusalém”), tomando por fim uma decisão sábia e ponderada
que foi comunicada por escrito à igreja de Antioquia, restaurando a
paz nessa comunidade cristã. Atos 16.4 mostra que, durante a 2ª viagem
missionária, Paulo e Timóteo transmitiram às igrejas fundadas na viagem
anterior essas importantes decisões dos apóstolos e presbíteros da Jerusalém.
O texto de Atos 15 mostra claramente o papel de
liderança, deliberação e orientação espiritual exercido pelos presbíteros na igreja-mãe,
ao lado dos apóstolos. Eles ouvem e julgam questões doutrinárias, ajudam a
resolver conflitos, protegem a igreja de falsos mestres e assumem
responsabilidade pelas doutrinas ensinadas pelos membros do seu rebanho.
Portanto, eles devem ser homens sadios no juízo e conhecedores da verdade.
2.1.3 Oferecem conselho e resolvem conflitos (At
21.18-25). Em uma nova visita de Paulo a Jerusalém (ano 57), surge uma questão
explosiva: a acusação inverídica de que Paulo estava ensinando os cristãos
judeus a desprezarem a lei de Moisés. Os presbíteros, como líderes daigreja,
trataram do problema de maneira sábia e criteriosa. Eles conceberam um plano
(ver v. 23-25) mediante o qual Paulo pôde negar publicamente as
críticas falsas e os presbíteros puderam manter a sua deliberação anterior
sobre a salvação dos gentios e a coexistência pacífica entre judeus e gentios.
Mais uma vez fica evidente a importância do colegiado de presbíteros na liderança da igreja.
2.2 Os presbíteros cristãos gentios em Atos dos Apóstolos. Além dos presbíteros judeus cristãos, o livro de Atos também
faz algumas referências aos primeiros presbíteros das igrejas dos gentios. A
primeira dessas referências se encontra em Atos 14.23, onde se diz que, no
final da primeira viagem missionária, Paulo e Barnabé promoveram a
eleição de presbíteros em cada uma das igrejas que haviam estabelecido
(Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe). Essa é a primeira vez
que se fala sobre a instituição do presbiterato em igrejas locais.
Fica claro que os missionários, orientados pelo Espírito Santo,
entenderam que essa era a melhor forma de governo para as novas comunidades cristãs.
Conclui-se também que essa prática foi seguida em todas as igrejas que Paulo
fundou, bem como naquelas fundadas pelos seus colaboradores (ver Tt 1.5).
Devido ao seu ministério itinerante, Paulo entendia a importância estratégica da nomeação
de presbíteros que pudessem cuidar das novas igrejas que iam nascendo. Ao
instalar presbíteros em cada igreja, Paulo seguiu a prática da igreja de
Jerusalém e de outras congregações cristãs judaicas (ver Tg 5.14). Ele escolheu
essa forma de liderança coletiva por meio dos presbíteros – e não uma liderança
individual – por entender que ela melhor se adaptava à natureza das igrejas
cristãs locais. A palavra grega “cheirotoneo” (traduzida por “promover a
eleição”) sintetiza todo o processo de selecionar, examinar e instalar
esses líderes.
Certamente a passagem mais importante sobre o presbiterato no
livro de Atos, e talvez em todo o Novo Testamento, é Atos 20.17-38.
Esse texto contém o discurso de despedida de Paulo aos presbíteros da igreja de
Éfeso, reunidos em Mileto, no final da última viagem missionária do
apóstolo. Paulo mostra a esses líderes quem eles são e o que Deus os
chama a realizar (20.28). Ele também fala do seu próprio trabalho entre eles
como um exemplo e uma inspiração para esses líderes.
2.2.1 Foi o próprio Deus quem os colocou à frente da igreja.
De modo característico, Paulo apresenta o fundamento doutrinário para o trabalho
dos presbíteros: a vontade soberana do Espírito, o valor imenso da igreja,
a cruz de Jesus Cristo e o ataque inevitável dos falsos mestres. Não
foi a igreja nem os apóstolos quem deu esse encargo aos presbíteros.
Embora tenha havido a participação de instrumentos humanos nesse processo, o responsável
principal pela colocação dos mesmos à frente do rebanho foi o Espírito
Santo.
2.2.2 Sua tarefa é supervisionar e administrar o povo
de Deus. Essa é uma das passagens que demonstram que, na igreja apostólica,
“presbítero” (ancião) e “bispo” (supervisor) eram designações das mesmas
pessoas (ver também 1Tm 3.1-2,8; Tito 1.5-7). Segundo Paulo, na qualidade
de bispos, os presbíteros são responsáveis pela supervisão, proteção,
administração e cuidado do rebanho de Deus. Fazendo isso, eles estarão seguindo o exemplo
do supremo Pastor e Bispo, o próprio Cristo (1 Pe 2.25).
2.2.3 De modo especial, eles devem pastorear o rebanho.
A imagem do pastoreio associa as ideias de autoridade e liderança com as de
abnegação, bondade, sabedoria, esforço, cuidado amoroso e vigilância constante.
“Pastorear” significa governar a igreja de Deus, proporcionar
liderança e orientação à igreja, ensinar e corrigir com base na Palavra
de Deus e oferecer proteção contra os perigos que ameaçam a vida da igreja.
2.2.4 Eles também devem proteger o rebanho de Deus.
Um dos seus principais deveres é a vigilância constante, primeiro sobre si
mesmos e depois sobre a igreja. Eles devem cuidar da sua própria vida
espiritual, andando diariamente com Deus e alimentando-se por meio da oração
e da Palavra. Assim, estarão em condições de cuidar do bem-estar
espiritual do rebanho e de protegê-lo dos “lobos vorazes”, dos perigos que o ameaçam na forma
de pecados e distorções da fé.
2.2.5 Eles devem estar conscientes do grande valor da igreja.
Ela é a “igreja de Deus”: não pertence aos presbíteros, aos apóstolos ou a
qualquer pessoa. Deus chamou à existência o seu rebanho e o protege,
sustenta e nutre. A redenção da igreja custou a Deus um alto
preço: o sangue de Cristo. Assim, os presbíteros são os mordomos e
administradores que o Senhor colocou à frente do seu povo e devem
estar conscientes da grande honra e da imensa
responsabilidade que isso representa.
2.3 O presbiterato nas epístolas
2.3.1 Nas epístolas pastorais
Embora os presbíteros não sejam mencionados explicitamente nas cartas de
Paulo às igrejas (temos apenas uma referência aos bispos em Fp 1.1), existem
várias referências altamente significativas a eles nas epístolas pastorais.
Partindo do fato claramente estabelecido de que presbíteros e bispos são os
mesmos oficiais, temos uma primeira referência a esses oficiais em 1Timóteo
3.1-7, onde existe uma detalhada enumeração das suas qualificações morais,
intelectuais e espirituais para esse elevado ofício. Dois capítulos adiante (1Tm 5.17-20), Paulo fala das obrigações mais importantes dos presbíteros
(liderança, orientação, ensino) e dos perigos a que estão sujeitos. Na carta
a Tito, Paulo exorta esse colega mais jovem a constituir presbíteros em todas
as igrejas e arrola mais uma vez as qualificações que os mesmos devem ter
(1.5-9). Existe uma referência coletiva a esses líderes – o “presbitério”
– em 1Tm 4.14.
2.3.2 Nas epístolas gerais
As últimas referências aos presbíteros no Novo Testamento são
encontradas nas epístolas gerais. Tiago 5.14 fala das responsabilidades
pastorais desses líderes em relação aos enfermos, orando por eles e ungindo-os
com óleo em nome Senhor. A última passagem, encontrada em 1 Pedro 5.1-4, é
muito importante por várias razões: (a) o apóstolo Pedro dá
testemunho da existência de presbíteros em diversas regiões da Ásia
Menor (ver 1.1); (b) o chamado “príncipe dos apóstolos” se apresenta como
um presbítero igual aos demais; (c) à semelhança de Paulo em Atos 20, Pedro
mostra que a principal responsabilidade dos presbíteros é “pastorear o rebanho
de Deus” e fazê-lo de modo espontâneo, desinteressado e exemplar; (d) em assim
fazendo, eles estarão seguindo o exemplo do Supremo Pastor.
3. O PRESBITERATO NA IGREJA ANTIGA E MEDIEVAL
3.1 Presbíteros e bispos
A partir do início do segundo século, começaram a ocorrer alterações
significativas no ofício de presbítero. A primeira delas foi a diferenciação
entre presbíteros e bispos, com o surgimento dafigura do bispo
monárquico. Cada igreja passou a ter um único bispo como o líder
principal, ao lado e acima dos presbíteros e dos diáconos. Foi o início
de uma estruturação hierárquica do ministério cristão. De pastores que haviam
sido no início, os presbíteros passaram a ser auxiliares dos bispos. Alguns
exemplos bem conhecidos desses bispos monárquicos do segundo século são Inácio
de Antioquia, Policarpo de Esmirna e Irineu de Lião.
3.2 Presbíteros sacerdotes
A segunda alteração substancial do presbiterato cristão foi a
transformação dos presbíteros em clérigos. Inicialmente eles eram membros
comuns das igrejas, os representantes eleitos do povo ou da congregação.
Com o passar do tempo, passaram a fazer parte do “clero”, uma
categoria distinta dos “leigos”, os cristãos comuns. Os presbíteros do Novo
Testamento se transformaram nos sacerdotes da Igreja Católica
Romana, os párocos que ficavam à frente das igrejas locais. Viviam uma vida
diferente dos fiéis, devendo agora ser celibatários, em contraste com os
presbíteros originais, que viviam normalmente em família. Na Igreja Ortodoxa,
os sacerdotes não precisaram se tornar celibatários, a menos que aspirassem ao
episcopado.
4. O PRESBITERATO REFORMADO
A Reforma Protestante restaurou o presbiterato cristão ao
seu modelo bíblico original que havia sido distorcido ao longo do período
antigo e da Idade Média. Isso aconteceu principalmente naReforma
Suíça ou Movimento Reformado, cujos líderes iniciais foram Ulrico Zuínglio e
João Calvino.
A forma de governo reformada ou presbiteriana passou a ser regida pelas
seguintes características básicas: (a) Bíblica – deriva da Escritura,
conforme entendida pela teologia reformada e expressa nas confissões da fé
reformada. O ministério exercido nessa forma de governo procede do
Novo Testamento, sendo distribuído de acordo com os dons dos membros:
proclamação – ministros da Palavra; governo – presbíteros; serviço –
diáconos. (b) Corporativa– o processo deliberativo e decisório é
sempre colegiado e não individual. As decisões acercada vida, teologia e
missão da igreja são tomadas em concílios dirigidos por
“moderadores” e constituídos de presbíteros e ministros da Palavra em
condição de paridade. (c) Representativa – o governo é exercido por assembleias deliberativas (conselho, presbitério, sínodo, assembleia geral)
compostas de pastores e presbíteros, sendo estes últimos representantes do
povo.
4.1 Suíça
João Ecolampádio, o reformador de Basiléia, foi o primeiro
a tentar instituir para fins de disciplina um presbiterato independente
das autoridades civis (1530). Suas idéias pouco depois foram adotadas por
Martin Bucer, em Estrasburgo, que defendeu a nomeação de presbíteros ou anciãos
dentre os homens mais piedosos e íntegros da comunidade para serem
responsáveis pela disciplina ao lado dos pastores e de representantes do poder
civil. Em ambos os casos, houve resistência das autoridades civis.
As ideias de Butzer influenciaram João Calvino, que desde 1537 pediu a
nomeação de alguns fiéis de boa reputação para ficarem encarregados da disciplina
em Genebra. Regressando de sua estadia em Estrasburgo, ele redigiu as Ordenanças
Eclesiásticas (1541), que previam a existência de quatro ofícios na igreja:
pastores, mestres/doutores, presbíteros e diáconos. Odever primordial dos
presbíteros era a disciplina eclesiástica, por causa da preocupação
reformada de que a comunidade cristã vivesse para a glória de Deus.
Esses presbíteros eram escolhidos dentre os conselheiros municipais até o número
de doze e constituíam junto com os pastores o Consistório, que se
reunia semanalmente para regular a vida moral, sendo geralmente presidido por
um dos síndicos. Todavia, somente em 1555 e mais especificamente em 1561, com a
revisão das Ordenanças, o reformador conseguiu impor as
suas idéias e a igreja conquistou o direito de excluir
(excomunhão). As práticas da igreja de Genebra se tornaram um
modelo para outras igrejas reformadas.
Os presbíteros foram vistos desde o início como representantes
do povo, sendo ao mesmo tempo comissionados por Deus. Bucer insistiu que fossem
representantes de todos os tipos de pessoas. O ofício era considerado
espiritual, os presbíteros não sendo denominados ministros, mas reconhecidos
como exercendo um ministério. Quanto à base bíblica, Calvino apelou para textos
como 1 Tm 5.17 (duplo presbiterato), Rm 12.8 e 1 Co 12.28 (dom de
“governo”, especialmente no exercício da disciplina) e 1 Co 5.4
(administração da disciplina não ao arbítrio de um indivíduo, mas de
um colegiado). Para o reformador, os pontos fundamentais da ordem
eclesiástica eram questões de fé.
4.2 França
A Disciplina da Igreja Reformada da França foi
promulgada pela primeira vez em 1559. Os presbíteros eram nomeados no próprio
Consistório e, não havendo objeção por parte dacongregação, eram ordenados
com oração solene, em pé diante do púlpito. Seu ofício era, junto com os
pastores, supervisionar a igreja, zelar pela freqüência dos membros ao
culto público e à Ceia, informar erros de conduta e julgar os acusados. Os
mandatos eram breves, mas os presbíteros eram incentivados a permanecer no
ofício por tanto tempo quanto possível. Mediante nomeação, podiam tomar assento
nos concílios superiores da igreja. Na celebração da Ceia,
havendo falta de pastores, os presbíteros e diáconos, “sendo os braços e as
mãos do pastor”, podiam ajudar na distribuição dos elementos.
4.3 Holanda
Na Holanda, entre os anos de 1564 e 1571 foi criado um sistema de
governo eclesiástico baseado em Genebra e muito semelhante ao dos huguenotes,
no qual o presbítero tinha o seu devido lugar. Ele possuía
consideráveis responsabilidades pastorais e devia manter estreito contato com
as pessoas do seu distrito para promover o conhecimento e a prática da fé
cristã.
4.4 Escócia
Quanto à Escócia, João Knox e seus companheiros estavam a par das
práticas de diferentes igrejas reformadas. De acordo com o Primeiro
Livro de Disciplina (1560), os presbíteros deviam ser “homens com o melhor
conhecimento da Palavra de Deus e a vida mais limpa, homens fiéis e
de conduta mais honesta que possam ser encontrados na igreja”. Devia
haver “eleição comum e livre” (a eleição era anual, sendo habitual a
reeleição). A função do presbítero (e do diácono) era “assistir o ministro
em todas as questões públicas da igreja”, particularmente na disciplina
eclesiástica e na administração dos assuntos gerais da igreja. O consistório
tinha um papel central na eleição dos ministros e exercia a
disciplina sobre todos, inclusive os ministros.
O Segundo Livro de Disciplina (1578) fala do presbiterato como
“uma função espiritual tal qual o ministério”, acrescentando que “os
presbíteros, uma vez legalmente chamados ao ofício e tendo os dons de Deus
adequados para exercer o mesmo, não devem abandoná-lo”, embora nem
todos os presbíteros tivessem de estar na ativa. O lugar
dos presbíteros nos concílios superiores da igreja é deixado
claro. Quanto à disciplina, corretamente entendida, consistia no interesse pelo
bem-estar espiritual e moral do indivíduo e da comunidade e no
estabelecimento de um padrão cristão de pensamento e conduta. Conforme diz o Segundo
Livro de Disciplina: “Como os pastores e os doutores devem ser diligentes
em ensinar e plantar a semente da Palavra, assim os presbíteros devem
ser zelosos em buscar o seu fruto nas pessoas”.
Peculiaridades do Segundo Livro de Disciplina: (a) criação
do “presbitério”, a grande contribuição da Escócia à forma de governo
presbiteriana; (b) o presbitério era composto de pastores, doutores e
presbíteros; (c) os diáconos perderam as suas responsabilidades de governo; (d) oconsistório
passou a denominar-se “presbiterato da igreja” ou “sessão”
(conselho); (e) o presbiterato passou a ser vitalício.
Um dos documentos aprovados pela Assembleia de Westminster, A Forma
de Governo Eclesiástico Presbiterial (1645) afirma o seguinte:
“Como havia na Igreja Judaica anciãos do povo unidos aos
sacerdotes e aos levitas no governo da Igreja, assim Cristo, que
instituiu ogoverno e líderes eclesiásticos na Igreja, supriu
alguns em sua Igreja, além dos ministros da Palavra, com dons de
governo e com o encargo de exercê-los quando chamados para isso, os
quais devem associar-se ao ministro no governo da igreja, oficiais
esses que as igrejas reformadas geralmente denominam presbíteros”. O texto-prova
acrescentado foi 2Cr 19.8-10. Ver ainda a Confissão de Fé, 31.1.
4.5 Estados Unidos
Nos Estados Unidos, já no século 18 algumas igrejas possuíam
presbíteros. Ao formar-se o Presbitério de Filadélfia (1706), somente compareceram
ministros, mas nas reuniões seguintes houve a presença de presbíteros. Quando
foi criada a Assembleia Geral (1788), adotou-se uma constituição que incluía
uma “Forma de Governo”. Um breve capítulo, “Dos Presbíteros Regentes”, que
permaneceu inalterado por quase um século, afirmava: “Os presbíteros regentes
são os representantes do povo escolhidos por este com o propósito de
exercerem governo e disciplina em conjunto com os pastores ou ministros. Esse
ofício tem sido entendido por grande parte das igrejas protestantes reformadas
como designado nas Escrituras Sagradas com o título de governos, e se
refere àqueles que presidem bem, mas não se afadigam na palavra e no
ensino”. Os textos aduzidos são 1 Tm 5.17; 1 Co 12.18, bem como Rm 12.7-8 e At
15.25.
Os indivíduos que eram eleitos e se diziam dispostos a aceitar o ofício
eram investidos no mesmo durante um culto público. Após o sermão,
respondiam as perguntas constitucionais e então eram consagrados mediante uma
oração, seguindo-se uma exortação aos mesmos (não se fala em imposição de
mãos).
No século 19 muito se escreveu sobre o assunto, em parte
devido a controvérsias. O Dr. Samuel Miller, do Seminário de
Princeton, afirmou que uma das vantagens da existência dos
presbíteros era proteger o pastor da tentação de assumir
excessivo poder e autoridade. Ele argumentou a favor da imposição de
mãos pelos presbíteros na ordenação de presbíteros e diáconos, mas
não na ordenação de pastores. Outra questão era a obrigatoriedade ou
não da presença de presbíteros para o quorum de uma reunião de
presbitério. Charles Hodge e James H. Thornwell debateram essas questões.
Quando a Igreja do Sul (PCUS) adotou o Livro de
Ordem Eclesiástica (1879), a posição dos presbíteros na vida da igreja recebeu
maior ênfase: eles deviam ser ordenados mediante imposição de mãos, deviam
participar da imposição de mãos na ordenação dos ministros
e deviam fazer parte do quorum para o funcionamento dos concílios. A Igreja do
Norte (PCUSA) foi mais lenta no sentido de fortalecer esse ofício. Na década
de 1870, debateu-se se os presbíteros podiam ser moderadores de concílios. A
decisão final foi que sim.
4.6 Brasil
Ao criar-se o Sínodo da Igreja Presbiteriana do
Brasil (1888) foi adotado o Livro de Ordem daIgreja do
Sul, com sua maior ênfase ao ofício do presbítero. No entanto, antes e depois
disso, a participação dos presbíteros nos concílios da igreja esteve
aquém do desejável. Em toda a longa história da IPB, somente um
presbítero ocupou a presidência do concílio maior da igreja (Dr. Paulo
Breda Filho, 1978-1986).
Todos os demais dirigentes do supremo foram pastores e não presbíteros.
Escrito pelo:
Rev.Alderi Souza de Matos: Professor de História da Igreja, Coordenador da área de Teologia Histórica do Instituto Presbiterianao Mackenzie.
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